O caso dos “justiceiros” do Flamengo, apesar de ser “semana passada da internet” ainda causa embrulho nos estômago com alguns posts que aparecem no Facebook.
Morei em Passo Fundo por quase 20 anos e lá fui assaltado quase uma dúzia de vezes, sem exagero. Sou medalhista olímpico como vítima em qualquer modalidade de assalto conhecida: de carro, a pé, em casa, correndo, em festa. Deve ser a cara de bobo, não sei.
Menos de uma semana depois de um assalto quando eu era adolescente (me roubaram um boné) eu reconheci o cara que me assaltou e chamei a polícia. Fiquei de longe, apontei quem era o sujeito (que não me viu) e fiquei atrás de uma banca de jornal. Ouvi a abordagem, dois policiais chegaram no cara, falaram que ele teria que ir pra delegacia e que tinha uma queixa do assalto dia tal lugar tal. Ele respondeu:
– Eu não roubo ninguém não senhor.
Quando eu ouvi aquilo eu explodi. Não era a primeira vez que eu havia sido assaltado e infelizmente também não foi a última. Sai da banca de jornal que eu estava e enchi a minha mão na orelha do assaltante. Instantaneamente fui empurrado por um dos policiais, que disse que se eu ficasse ali seria levado para responder por agressão.
Já disse o Lois C. K.: cara, como é bom ser branco.
Eu até entendo reagir a um assalto. Eu entendo explodir de raiva com uma mentira de alguém que te prejudicou. Eu não concordo, mas entendo. Entendo e sei que isso é burrice, porque eu já fiz. Eu já apanhei ao reagir a um assalto. Errei feio, errei rude.
Eu queria ter a clareza e sabedoria da Keshia Thomas, se todos nós tivéssemos já pensou que mundo mais tranquilo pra se viver? E antes de continuar, quero citar parte do texto “El Justiceiro cha cha cha“
Uma terceira questão que paira é: você defende bandido? Não. Não defendo. Defendo a Justiça. Quem defende bandido é advogado, defensor, sei lá o quê. Eu defendo o direito do bandido ter o mesmo direito que eu quando for ele julgado. Principalmente porque EU sou hoje o que posso não ser amanhã. Amanhã posso estar muito mais próximo daquele que socialmente está afastado de mim. É o que mais existe: a velhice paupérrima e solitária. Não quero que qualquer pessoa tenha menos direitos que outras.
Hoje li este artigo do Estadão, falando sobre os justiceiros e a Lei Áurea e também me fez refletir como 125 anos é pouco para “libertar” um povo. Nós (brancos) fizemos toda uma sequência triunfal de merdas no passado. Tomamos terras, escravizamos, e aí assinamos uma Lei que acaba com a escrivadão e queremos acreditar que está tudo bem? Damos 3 tapinhas nas costas marcadas por nossa chibata e dizemos: “calma, tá tudo bem agora” e acabou, sem ressentimentos?
Hey caras, agora vocês são livres! As terras continuam sendo minhas e vocês podem trabalhar aqui se aceitarem as minhas condições.
Foi estes pontos que me chamaram mais a atenção no texto do José.
“descende de homens livres há mais de um século. Mas a chibata ficou lá dentro da alma, ferindo, dobrando, humilhando, criando desconfiança, ensinando artimanhas de quilombo para sobreviver.
…
Esse “meu senhor” expressa uma liberdade não emancipadora, que não integrou o negro senão nas funções subalternas de uma escravidão dissimulada, mas não na ressocialização para a liberdade e para a cidadania.”
Eu não, meu senhor – José de Souza Martins, Estadão
Empatia
Vamos fazer um teste de empatia? Se você ainda tem dúvidas sobre o que é isso assista o Incrível Hulk explicando o que é empatia.
Agora imagine o “mundo do contra” onde, veja só que terrível, os brancos foram escravos e os negros latifundiários. Como seria a sua vida hoje, se há 125 anos fossem os seus bisavós que estivessem sendo “liberados” da escravidão?
Provavelmente a minha família teria vindo da Itália como animal de trabalho. Não que a viagem dos colonos fosse de primeira classe, eu transcrevi os diários de viagens de meus bisavós e foram tempos de vacas magras. Montar “acampamentos”, dormir em saco de folha, fome e várias dificuldades que vieram junto com a promessa de “terra e trabalho” no Brasil.
Mas eles não estavam engaiolados ou acorrentados, vieram para cá por vontade própria, cheios de esperança e com suas famílias. Como escravos viriam presos, maltratados e chegando aqui seriam vendidos como mão de obra para os latifundiários negros, estudados e ricos.
Vou falar um pouco do meu falecido vô (e herói), que foi um empresário que admiro muito. Empresário quando velho, pois até chegar lá foi um gringo trabalhador e pão duro. Dizem as histórias que uma vez ele atravessou o mar a nado com um punhado de areia na mão. Chegou do outro lado e a areia continuava seca, de tão mão fechada que era o seu Armando.
Seu Armando estudou, se não me falha a memória, até a 4 série. Era filho de italianos que vieram se aventurar no Brasil. Com seu pouco estudo sempre foi trabalhador. Olhando em retrospecto é a típica história de superação: ajudou a criar os irmãos, trabalhou desde criança, teve vários empregos, mas foi como motorista de caminhão que percebeu que poderia colocar o dinheiro para trabalhar em seu lugar. De motorista de caminhão passou a dono de caminhão e contratou um motorista. Comprou mais caminhões. Do lucro de sua frota, comprou a primeira fazenda. E a segunda, a terceira… e isso possibilitou estudo para todos os seus 8 filhos. E o estudo e educação dos filhos do seu Armando possibilitou que seus netos também tivessem muitas oportunidades e educação.
E se fosse o meu bisavô amarrado a um poste a 125 anos atrás?
Sendo filho de escravos recém liberados, com uma mão na frente e outra atrás será que seu Armando teria a visão, segurança, condições e “sorte” que teve para passar de motorista de caminhão a empresário? Será que ele conseguiria ao menos comprar seu primeiro caminhão?
Se por alguma imperícia da natureza ele conseguisse comprar os caminhões e montar sua pequena frota, será que algum latifundiário negro contrataria os serviços um branco?
A carga de soja vai atrasar dois dias. Eu avisei, é isso que dá contratar esses brancos! Fica aí fazendo branquices!
Talvez seu Armando até fizesse algum dinheiro. Conseguiria dar condições para que seus 8 filhos tivessem uma formação? Até as mulheres? Uma mulher branca na faculdade a 30 anos atrás? Que afronta!
E isso é só 50%, ter a minha vó. Será que a 60 anos ela teria feito uma faculdade? Ela também é filha de italianos, também é formada e sem dúvida é a grande responsável pela educação dos meus tios e minha mãe. Mas ela seria
só uma branquinha recém liberada pela Lei Áurea, sem estudo e condições. Jamais seria a professora que foi – o que é que esta branquinha teria a ensinar?
Minha mãe foi quem pagou a minha faculdade. E o excelente colégio particular em que estudei. Sem ela pagando a minha faculdade, eu teria condições de pagar minha pós? Teria os empregos muito bem pagos que tive e me possibilitaram comprar uma casa, fazer investimentos e pagar minha pós?
Se os brancos fossem escravos poderia ser eu preso naquele poste.
Deixe um comentário