REGULAMENTAR OU NÃO O DESIGN?
Que tal colocarmos um pouco mais de "lenha na fogueira"? Achei interessante as duas opiniões a seguir: Uma, de Marcos Nahr, bem objetiva, que se manifesta a favor da regulamentação da profissão do designer. Por outro lado, a opinião de Daniela Castilho, mais ampla em um contexto político, não defende a não regulamentação da profissão do designer, porém, alerta de que os motivos pelos quais esta regulamentação é defendida, muitas vezes é deturpado.
Acredito que seria interessante fomentarmos aqui esta discussão, pois somos nós os protagonistas desta história e não podemos abrir mão de uma conduta ativa frente a este importante tema.
Porque regulamentar a profissão de Design
por Marcos Nahr
Assunto interessa a empresários, consumidores e ao poder público.
Mais de 60.000 profissionais continuam sem um instrumento de legitimação e reconhecimento que é a regulamentação dos Designers.
Desde 1980 foram submetidos cinco projetos de regulamentação ao Congresso, todos arquivados.
E, na prática, o que vai mudar com a regulamentação?
Interessa aos empresários. O design é uma atividade de alto risco, mas com fiscalização (criada com a regulamentação) pode garantir o melhor de um profissional reduzindo o risco ao mínimo necessário em termos de investimento. A regulamentação vai combater a má conduta profissional.
Interessa ao consumidor. Tudo o que é produzido e tem contato com o público precisa de um responsável. Sem ser regulamentado o designer não pode ser tecnicamente responsável pelo que produz. Pelo Código do Consumidor, hoje o designer não pode ser responsabilizado pelo seu projeto, mesmo que este tenha defeitos ou ocasione danos ao seu usuário.
Interessa ao poder público. Sem registro profissional pra designers, o poder público não pode "comprar design" por meio de licitação ou concorrência, seja para projetos de identidade visual, de mobiliário, de um website e outros de interesse da sociedade.
A produção de bens com design é um fator estratégico. Produtos com valor agregado significam maior arrecadação e a conquista de mercados externos. Isso já foi reconhecido pelos paises emergentes que concorrem com o Brasil nos mercados internacionais.
Porque NÃO regulamentar a profissão de Design
Por Daniela Castilho
A discussão sobre regulamentação da profissão de designer (ou outra qualquer) é boa e válida. Mas é importante perceber que por trás dela há motivos de ordem econômica e social muito amplos.
Participo de várias listas de discussão do Yahoo (embora, infelizmente, nem todas sejam públicas e com RSS feed, o que é uma pena) e em uma dessas listas vem se discutindo a regulamentação da profissão de designer.
Infelizmente, como já vi muitas vezes antes, não se discute a regulamentação de uma profissão pelas razões certas.
O que sempre se pode perceber é que, como existe falta de empregos para todas as pessoas que se autodenominam profissionais–daquela–profissão–não–regulamentada, algumas pessoas começam a defender a regulamentação numa tentativa de reduzir a quantidade de profissionais, diminuindo a concorrência.
O raciocínio é simples mas está equivocado: com muitas pessoas se denominando, por exemplo, "designers" e concorrendo às parcas vagas de trabalho do mercado, tendo formações diferentes ou mesmo nenhuma formação, a profissão se desvaloriza (efeito da velha lei da oferta versus procura), fazendo com que a concorrência por uma vaga seja muito acirrada e que os salários caiam.
Com a regulamentação, só quem tiver feito o curso regulamentar poderá atuar oficialmente como profissional, o que automaticamente reduz a quantidade de "profissionais" no mercado, aumentando as chances de trabalho/emprego para quem tem diploma.
Quais são os erros desse raciocínio? Vários. Vamos vê–los um a um.
O primeiro erro é pensar que regulamentando uma profissão realmente se aumente a empregabilidade dos profissionais do mercado. Isso não é o que acontece na prática. Peguemos como exemplo o nome "designer". Digamos que se faça uma regulamentação detalhada e que somente quem fizer uma faculdade chamada "Design Gráfico" possa trabalhar como "designer" – eliminando automaticamente quem fez uma faculdade de Artes Plásticas ou de Comunicação Visual, por exemplo e eliminando todos que não tenham curso superior.
Normalmente, faz parte da regulamentação de uma profissão a criação de cursos de especialização para que antigos profissionais do mercado já com curso superior possam se atualizar. Claro que o tempo de experiência de um profissional sempre é contado; profissionais antigos recebem o direito de continuar a atuar oficialmente pelo tempo de experiência que possuem – foi o que aconteceu quando se regulamentou a profissão de jornalista e radialista -; porém essas medidas são de pequeno impacto na quantidade de profissionais existentes no mercado e fazem com que os profissionais que já estão empregados mantenham–se nos seus empregos.
O que faz o empregador que não quer obedecer à nova regulamentação recém–criada? Muda o nome da função. A empresa não terá mais "designers" como empregados. Terá, por exemplo, "desenhistas" ou "criadores visuais".
Foi o que aconteceu, por exemplo, quando se regulamentou a profissão de "secretária". Muitas empresas que não queriam ser obrigadas a contratar secretárias com DRT (ou a pagar um curso para os profissionais que já trabalhavam na empresa) mudaram o nome do cargo para "assistente", burlando assim a regulamentação. A longo prazo, o que se viu foi uma queda na oferta de empregos para "secretárias" e um aumento na oferta para "assistentes".
O segundo erro do raciocínioda "regulamentação da profissão" é supor que automaticamente todos os profissionais do mercado passarão a ter um nível melhor. Não é o que acontece na prática.
Assim que a regulamentação é aprovada, logo surgem novos cursos em faculdades de diferentes níveis e sabemos muito bem que algumas delas estão apenas interessadas em ter mais alunos. Em poucos anos o que se vê é uma derrama de "profissionais diplomados", o que não significa, de modo nenhum, que todos eles sejam realmente qualificados.
O terceiro erro do raciocínioda regulamentação profissional é achar que os salários melhorarão. Não é o que a prática demonstra. Assim que uma profissão é regulamentada é criado um sindicato. O sindicato fica responsável por estabelecer o piso salarial mínimo da categoria e o índice de reajuste salarial anual. E como nenhum sindicato é estúpido, esses valores sempre são estabelecidos pelas leis de mercado, ou seja, de forma vantajosa para os empregadores. A negociação salarial, que beneficia o bom profissional, deixa de existir, o salário passa a ser estabelecido oficialmente pelo sindicato, que nem sempre defende os interesses da categoria.
O efeito desse processo todo é o que vemos hoje em muitas profissões, até mesmo aquelas que precisam que os profissionais sejam qualificados porque oferecem risco para a vida humana, como médicos e engenheiros: profissionais pouco qualificados entram no mercado todos os anos munidos de diplomas, os pisos salariais são baixos, os dissídios coletivos dão reajustes salariais ínfimos, muitos profissionais são obrigados a ter mais de um emprego para poder sobreviver e muitos continuam desempregados.
No final do ano passado trabalhei para uma empresa libanesa, montando a comunicação visual dessa empresa. Todo o tempo eles ficavam espantados e aborrecidos com a legislação brasileira, que chegou a exigir deles um visto consular atestando a veracidade de seus currículos – uma exigência para eles incompreensível, tendo em vista que para "provar" que os currículos eram totalmente verídicos eles possuíam os contratos de trabalho. Muitos países não têm carteira de trabalho como nós a conhecemos aqui no Brasil; os vínculos trabalhistas são estabelecidos por contrato.
Em uma de nossas várias conversas, o técnico da empresa, um libanês de 28 anos com master em business, gentilmente me explicou o problema da oferta de empregos. Ele me afirmou com todas as letras que o principal problema do Brasil é que as condições todas somadas – juros altos, impostos em grande quantidade, muitas vezes taxando a mesma coisa mais de uma vez com alíquotas muito altas e o excesso de burocracia – é que impedem as empresas de crescerem e abrir novas vagas de trabalho. Para poder crescer as empresas precisariam pagar menos impostos e juros menores.
A realidade que vemos no mercado é que a maior parte das ofertas de trabalho são de estágio. Os recém–formados são admitidos como trainee mas são rapidamente substituídos por novos estagiários (com salários mais baixos). Os profissionais que já têm experiência são obrigados a fazer MBAs e especializações (muitas vezes pagando do próprio bolso) para aumentar suas chances no mercado e têm que abrir empresas para continuar trabalhando. O nível de ensino tem caído cada vez mais apesar das exigências de diploma obrigatório. O mercado continua cheio de pessoas desempregadas e a cada dia com mais e mais pequenos empresários endividados.
A solução para os salários ruins e baixa oferta de empregos não é a regulamentação das profissões. A regulamentação tem como objetivo estabelecer um padrão de exigência para aquela profissão. A regulamentação não resolve problemas.
A solução para os problemas é uma reforma econômica e tributária séria, essas sim, capazes de gerar mais empregos.
Espero que as duas visões acima tenha contribuído para o posicionamento de cada um frente a esta questão, acredito que as duas se complementam. Um forte abraço a todos!
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at.te
Daniel Quintana Sperb
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